Quem nunca ouviu uma mãe, pai, avós dizer: “Menino(a), para de batucar nas panelas!”, “Gente para com esse barulho!” Mas que criança não gosta de “tirar um som” de um objeto, do próprio corpo, de interagir descobrindo os sons que a rodeia? É o carro, avião, o pássaro, o trem, a música de ninar… infinitas possibilidades de estimulação auditiva que permitem o conhecimento e a distinção de diferentes sons, timbres e altura.

Moramos em uma cidade no interior de São Paulo. Beatriz, desde muito bebê sempre esteve atenta ao som do trem (que passa dentro da cidade!), aos sons dos aviões de uma empresa área que tem sua área de manutenção em nosso município, ou dos aviões que deixam seu rastro de fumaça no céu (e que possuem um barulho diferente dos aviões comerciais), que acreditamos ser de uma universidade que tem o departamento de engenharia aeronáutica aqui em nossa cidade, também. Além do galo que canta pela manhã, dos pássaros que cantam durante todo o dia, dos latidos dos nossos cachorros e dos cachorros da vizinhança. Falando em latidos, esses ela já conhece desde a gestação, pois seus “irmãos caninos” já eram companhia constante!

Mas, além de todos os sons que nos rodeiam, como podemos inserir de maneira “pedagógica” nossas crianças no universo musical? Quais são os ganhos, as possibilidades de aprendizagem e de desenvolvimento que as crianças adquirem ao ter contato com a música de maneira planejada por profissionais da área?

A Profª Dra. Renata Franco Severo Fantini, nossa entrevistada de hoje, é Licenciada em Música, Especialista em Musicoterapia, Mestre e Doutora em Educação Especial e Docente do Curso de Licenciatura em Música da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos-SP). Renata traz, as contribuições que a musicalização traz para o desenvolvimento cognitivo infantil, de modo a nos incentivar, enquanto pais e profissionais da educação, a proporcionar momentos de aprendizagem para nossas crianças: “Entendendo cognição como a forma de “aprendermos o mundo” a partir dos nossos sentidos e dos processos que envolvem atenção, percepção, memória, raciocínio, imaginação, pensamento e linguagem. A música, sem dúvida, depende / reforça diversas habilidades cognitivas. Por exemplo, as pequenas canções, cuidadosamente escolhidas para os bebês, podem ajudá-lo no desenvolvimento da linguagem verbal ao acentuar rimas e sílabas com o ritmo e melodias. Ao explorarmos a diversidade de timbres dos instrumentos e objetos sonoros, recrutamos a percepção, a atenção e a memória auditiva. Ao evocar contextos diversos nas cantigas infantis, apresentamos aos poucos aspectos da vida real que incluem paisagens, lugares, animais, objetos, conceitos. Ao permitirmos que a criança participe ativamente do ambiente musical, favorecemos que ela explore sua imaginação, exercitando seu repertório próprio e ampliando-o. Enfim, conhecer, escolher e fazer música a partir do próprio corpo ou de instrumentos, envolve a organização de aspectos essenciais como duração, altura, intensidade e timbre, todos envolvendo importantes habilidades cognitivas.”

Inserir o mundo musical na rotina das crianças é fundamental para que ela vá adquirindo gosto musical, vá conhecendo as possibilidades sonoras em seu contexto social, experimentando diferentes possibilidades de interação com o som. Renata revela que  […]os estudos têm mostrado que as sonoridades experimentadas pelos bebês ainda na barriga de sua mãe já são reconhecidas por eles nos seus primeiros dias. Segundo a educadora musical e pesquisadora, Beatriz Ilari, logo ao nascerem os bebês já são capazes de demonstrar preferências pelas vozes que já se habituaram a ouvir durante a gestação. Embora muito ainda se tenha que descobrir sobre os benefícios da música nesta etapa, sabemos que o repertório sonoro da família é um dos fatores que contribuem para a construção da identidade da criança. É por isso que muitos projetos de musicalização têm inserido a família no processo. As práticas de educação musical elaboradas para apoiar, ampliar e enriquecer a rotina musical da família têm impacto na formação da criança que entenderá e se apropriará dessa arte e desse modo de expressão como relevante socialmente. Sendo assim, desde bebês, a musicalização é indicada como forma de possibilitar vivências significativas que envolvem a cultura do grupo ao qual a criança pertence, bem como a arte musical em toda a sua riqueza.”

E que não gosta de uma boa música? Quem não aprecia sons diferentes em nosso cotidiano? Quem não se dá conta de que o silêncio, ou seja, a ausência de sons, nos permite aguçar ainda mais nossa percepção sonora e, identificarmos os sons com mais facilidade e prazer? A atuação de um profissional capacitado no desenvolvimento de atividades, aulas e estímulos musicais faz toda a diferença no contexto de aquisição de conhecimento das nossas crianças. Você sabe porquê? “O profissional licenciado em música se apropria de métodos, técnicas instrumentais e educacionais para guiar e amparar as vivências musicais de crianças, jovens, adultos e idosos. Sendo assim, este profissional poderá encontrar caminhos que atendam às necessidades de cada grupo segundo suas peculiaridades, buscando estratégias educacionais que possibilitem o desenvolvimento musical de forma segura e consistente”, comenta Renata.

O comentário da Profª Renata, nos faz refletir sobre o papel da musicalização no desenvolvimento e aquisição do processo de leitura e escrita das nossas crianças. Sabemos que a nossa língua pátria é muito “sofisticada”, com várias conjugações verbais, entonações diferenciadas de acordo com cada acento empregado. Nossa língua é musical, se assim podemos definir! Renata nos traz a relação da música com o processo de alfabetização, veja: “Estudos têm mostrado que muitos aspectos musicais se relacionam com nossos processos de linguagem verbal. Por exemplo, habilidades de memória rítmica e melódica podem estar relacionadas positivamente com habilidades de consciência fonológica, como segmentação fonêmica e silábica, identificação de sílabas iniciais, mediais e finais diferentes e, rimas. Os estudos apontam que ambientes ricos de cantigas, parlendas e rimas para crianças pré-escolares são decisivos para amparar a futura aprendizagem formal da leitura e da escrita.”

Falamos em musicalização, em inserção da criança no mundo musical, no desenvolvimento e estimulação das crianças na sonoridade, na percepção consciente de diferentes tipos de sons e, muitos pais, começam a notar que a criança tem desejo ou aptidão por algum instrumento especifico. Neste momento, paira a dúvida de quando ingressar a criança em aulas que permitam a aprendizagem de instrumentos musicais. Acreditamos que experiências significativas de música começam em contextos educacionais que ampliam as oportunidades de ouvir, acompanhar e criar música se valendo do próprio corpo, de materiais sonoros e instrumentos adequados à psicomotricidade da criança. Atualmente instrumentos de diversas famílias como percussão, sopros e cordas têm sido elaborados especialmente para apoiar o trabalho com bebês e crianças pequenas. Como dissemos anteriormente, experiências significativas em música que ampliem o repertório e a forma como nos expressamos musicalmente parecem ser decisivos para futuras experiências musicais criativas. Sendo assim, recomendamos que antes de tudo a criança tenha a oportunidade de se aproximar da música de maneira saudável e culturalmente significativa. E que os responsáveis avaliem questões anatômicas e o processo musical em si ao apresentarem as possibilidades de aprendizagem musical às crianças. Acreditamos que se a criança tem a chance de se encantar pela música e se valer dela como um meio de expressão, com o devido apoio profissional ela encontrará as melhores formas de se relacionar com a música pode ser até mesmo de formas inovadoras com instrumentos tradicionais”, explica Renata.

Possibilitar o contato da criança com a música, com os sons, é dar a ela possibilidades de conhecer seu contexto social, cultural, histórico. “Os motivos que estão por trás dessas escolhas podem se relacionar com questões regionais e históricas. Um exemplo é quando trabalhamos uma ciranda: as crianças vivenciam aspectos que remetem ao mar, a rotina das famílias de pescadores, à espera pelo peixe. Ao dançarem os passos da ciranda as crianças experimentarão o vai e vem das ondas e o ciclo da natureza e da vida humana no contexto citado. A letra da música também remete à essa situação e aproxima a criança dessa realidade que passará a compor seu repertório não apenas musical, mas de vida”, exemplifica Renata.

Além de todos os benefícios que citamos, com as contribuições da Profª Dra. Renata Franco Severo Fantini, podemos destacar o quanto a música tem sido valiosa no conhecimento do eu, do outro e do papel social que temos em um grupo. Permitir que a criança socialize momentos de troca em conjunto, de respeito ao outro, é possível através das rodas de música. “Neste momento peculiar que vivemos, o trabalho musical (em muito!) pode contribuir para cidadãos mais responsáveis e engajados. As práticas musicais em grupo, desde muito cedo, ensinam que as crianças se ouçam, identifiquem as diferenças e criem música a partir delas. Elas são convidadas a dialogar para encontrarem soluções criativas, mobilizando respeito, empatia, assertividade entre tantas outras habilidades que devem fazer parte das nossas vidas na construção de uma sociedade saudável. Assim, aprender e fazer música nos torna mais plenos em nossa capacidade de agir em prol do coletivo” – finaliza Renata.

Se você tem alguma dúvida, comentário ou gostaria de falar com a Professora Renata, entre em contato com ela através do e-mail renatafantini@ufscar.br

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