Você já ouvir falar do termo CAPACITISMO? Não?! Então, reserve uns minutinhos do seu tempo, para ler esta entrevista! Fabiana Lorenzeti, Pedagoga, Artesã no Ateliê Bem Guardar vem nos fazer refletir, não somente sobre o termo capacitismo mas, sobretudo, sobre nossas ações inconscientes que perpetuam o pré-conceito com as pessoas que possuem alguma deficiência.

Ações que podem gerar segregação, incapacidade. Que podem reforçar um sentimento de inferioridade. Ter deficiência física, não é limitante. Todos temos deficiências, físicas, emocionais, intelectuais. Aprendemos a lidar com nossas deficiências, respeitando-as, inovando sobre elas, superando os desafios que nos são impostos, galgando novos degraus, abrindo a visão para novos horizontes. Assim devemos agir com as crianças que possuem uma deficiência física: devemos dar oportunidade para que elas se reconheçam, superem os limites que a deficiência pode lhe impor ou, que a sociedade (infelizmente!), pode lhe apresentar.

A nossa convidada de hoje, Fabiana Lorenzeti, nos permite refletir, conhecer e desmistificar ações de capacitismo. Nos ajuda a descontruir um pré-conceito arraigado em nossa sociedade por anos…

Quem é a Fabiana, questiono: “Eu sou a Fabiana, tenho 37 anos, sou uma mulher branca, gorda, de baixa estatura, cabelos escuros na altura dos ombros e olhos castanhos. Sou mãe da Lúcia e da Elisa, educadora, pesquisadora dos processos de criação de livros, encadernadora no Ateliê Bem Guardar e tenho uma deficiência física congênita que se caracteriza pela ausência do antebraço direito. Sou uma pernambucana sem sotaque porque cresci e fui criada no ABC Paulista, na cidade de Mauá e, há cinco anos fugimos da Grande São Paulo para vir morar numa casinha de interior aqui na cidade de Araraquara.”

Fabi, retrata que, “descobriu” que a ausência do antebraço direito se caracteriza como uma deficiência há pouco tempo! Relata que teve uma vida normal, como de qualquer outra criança. Seus pais, ponto chave, na construção da sua personalidade (como todos os pais deviam ser!) encorajavam-na a fazer tudo que as demais pessoas (que possuem os dois antebraços) faziam. Retrata, que sua vida escolar seguiu como as das demais crianças e que não via sua deficiência como um entreve: “Na verdade eu não consigo distinguir diferença entre a minha experiência e a experiência das crianças que tinham duas mãos. Eu fui uma criança muito ativa e fazia tudo o que as outras crianças faziam, só que do meu jeito. Eu andava de bicicleta, pulava elástico, brincava de queimada, jogada vôlei, enfim…  Meus pais sempre me estimularam a ter autonomia, a fazer as coisas e me virar. Desde os 8 anos eu ia sozinha para escola. Mas aos 8 anos, eu vivi uma experiência importante que começou de um jeito ruim. Eu fui matriculada numa escola pública e me colocaram numa sala especial, uma longa história que conto na nossa conversa na LIVE!” – retrata Fabiana (e se você ficou curioso para saber dessa história, acesse o link e assista a entrevista)

Agora, vamos ao termo CAPACITISMO. Fabiana nos explica o que o termo e sua aplicabilidade na sociedade quer dizer, além de nos ajudar a relacionar os termos: capacitismo e inclusão. “Capacitismo é a palavra que a gente encontrou para nomear e denunciar a violência e a discriminação contra a PCD (pessoa com deficiência). É uma manifestação social que se estabelece e desenvolve nas estruturas da sociedade produzindo comportamentos, pensamentos e atitudes que permeiam toda a vida em sociedade de pessoas com e sem deficiência. O capacitismo, como um dos mecanismos estruturantes da nossa sociedade, apresenta conceitos muito enraizados que são absorvidos no nosso modo de estar no mundo e com o outro e que, muitas vezes, se manifesta de maneiras sutis que nos pareçam naturais e aceitáveis. Justamente por essa razão é tão difícil ser identificado, compreendido e desconstruído. Já o pensamento inclusivo é um caminho paralelo, que busca oferecer equidade de acesso, participação e garantia de direitos para todos, sejam pessoas com deficiência ou não. Na inclusão, há o reconhecimento da diversidade humana nos seus aspectos biológicos, fisiológicos, cognitivos, sociais e culturais. O pensamento inclusivo é aquele que busca acolher toda a diversidade humana. O capacitismo é uma manifestação discriminatória volta às pessoas com deficiência.”

E, por vivermos em uma sociedade capacitista, muitas famílias, ao terem a noticia de que seu bebê possui uma deficiência, entram em “choque”, “perdem o chão”. Afinal, nossa sociedade não nos ensina a olharmos além da deficiência e, é exatamente isso, que precisamos mudar. Fabiana nos indica algumas reflexões para esta situação: “Eu entendo e acolho essas reações que muitos pais podem ter, pois todos nós somos criados e educados sob a perspectiva negativa da deficiência. Não é fácil romper essa lógica que perdura por milhares de anos, geração após geração, e querer negá-la do dia para a noite. É um caminho, é um processo… Todos nós temos que passar por ele para construir uma sociedade justa e acolhedora com as pessoas com deficiência, mas muitas vezes, a gente só se permite essa busca quando, literalmente, nos vemos no meio dessa estrada. Muitas vezes são as circunstâncias que nos obrigam a buscar entender melhor como é ser uma pessoa com deficiência neste mundo e agir diante dele. Às vezes somos nós mesmos que temos alguma deficiência, às vezes são pessoas muito próximas ou muito importantes para nós como um filho, por exemplo. Então, eu acolho este sentimento. Na estrada que muitos estão chegando, eu já caminho há 37 anos e já adianto: tem muito buraco para tampar, muita coisa para consertar e também muita força, potência, beleza e horizonte para aproveitar. Aceite o seu sentimento, olhe para ele, descubra porque ele está ali. É o conhecimento e a informação que nos fortalecem.”

Limitações e soluções: sabemos que nos dias atuais a ciência tem trazido grandes avanços em próteses para deficientes. O que você acha do uso de próteses? Noto que você não usa. Foi opção?, questiono. “Eu não uso porque não sinto necessidade. Acho que é algo que não faz parte do meu corpo, e que me atrapalha. Ainda que possa ser funcional, para mim não vale perder a sensibilidade e tato, por exemplo. Apesar de não ter uma mão, eu gosto muito de trabalhos manuais e com uma prótese seria muito difícil. Quando criança minha família cogitou a compra de uma prótese, naquele tempo com a tecnologia que tinha, era uma preocupação apenas estética, e mesmo uma busca por simetria que para mim não faz sentido. Recusei. Acredito que as famílias possam oferecer a prótese às crianças, mas é preciso cuidar do reforço que fazemos quando supervalorizamos o uso da prótese no lugar da condição natural da criança, ainda mais quando ela é pouco ou nada funcional e especialmente nessas fases tão importantes de construção da identidade. Muitas vezes, quem não tem essa deficiência, imagina necessidades ou dificuldades que não existem, e buscam sanar essas questões oferecendo e estimulando o uso desses mecanismos. Oferecer sim, deixar experimentar, deixar recusar, deixar gostar ou não gostar, perceber que seja boa pra determinadas situações e outras não.”

Respeito. Empatia. Diálogo. São ações fundamentais para que possamos descontruir o pré-conceito intrínseco em nossa sociedade. Muitos, querem impor às pessoas com deficiência, suas vontades, ainda mais quando se trata de crianças. A estética, muitas vezes, é o ponto principal aos olhos de quem leva um sentimento capacitista. Não ter um braço, uma perna, “incomoda o olho do outro” que não aprendeu a lidar com as diferenças, a respeitá-las a falar sobre elas. Precisamos de mais representatividade em nosso meio social. Precisamos falar sobre deficiência. Na verdade, podemos falar sobre qualquer assunto com nossas crianças, como já publicamos aqui em nosso blog (leia o artigo clicando aqui). Desmistificar é a palavra de ordem neste momento!

Fabiana finaliza, trazendo seu sentimento ao realizar artesanato. Artesanato & deficiência física: como você relata este trabalho e incentiva as demais pessoas a alçarem voos escolhendo uma profissão, um hobby sem focar na deficiência?

“Todos temos habilidades para umas coisas mais que para outras, e isso se estabelece de acordo com os nossos gostos pessoais e as condições que temos para desenvolver essas habilidades. Eu gosto de reforçar a ideia de que DOM não existe. Gosto de reforçar porque é algo que eu escuto bastante das pessoas. Muitos se surpreendem com alguns trabalhos manuais que eu realizo, (justamente pelo fato de eu ter uma deficiência) e atribuem isto ao dom. Na verdade, a ideia de dom exclui o processo de desenvolvimento, o esforço e a dedicação, é como se tal habilidade viesse dos céus. O fato é que, quando gostamos de algo e temos as condições favoráveis (culturais, sociais, etc.) nós nos arremessamos nesse desenvolvimento e isto é para todos, não só para quem tem alguma deficiência. Se você gosta muito de desenhar, você vai repetir e repetir, estudar, pesquisar, praticar e será muito bom em desenho. Isso não é dom, é desenvolvimento. Se você gosta de tocar violão, você vai querer passar horas fazendo isso, pesquisando e se dedicando, logo, sua habilidade se aprimorará cada vez mais. Todo mundo é assim! Eu gosto muito de trabalhos manuais, então hoje eu entendo que isto é uma das buscas da minha vida, como hobby, como trabalho, como pesquisa. Gosto de fazer, gosto de aprender. Algumas coisas mais, outras menos e, logicamente, eu me saio melhor n’aquelas que gosto mais. Então, o meu conselho é que as pessoas (com deficiência ou não) sejam curiosas, que conheçam coisas diferentes, que expandam seus horizontes, que experimentem e descubram paixões, descubram aquilo que lhes movem e fazem querer mergulhar.”

Agora me diga: quais são as aprendizagens que você adquiriu ao ler este texto? Muitas, com certeza! A reflexão é um convite para você trazer para seu eu. Te convido a ser uma gota neste enorme oceano: vamos acabar com o capacitismo em nossa sociedade? Vamos falar sobre deficiência, sem mitos, sem medos, sem vergonha. Vamos nos tornar agentes de representatividade?

Te convido, também, a conhecer o Ateliê Bem Guardar. Fabiana desenvolve um trabalho diferenciado, no que se refere ao cuidado, personalização e qualidade em suas peças, além de enviar para todo o Brasil (ou até para além de nossas fronteiras!) – Site /  Facebook Bem Guardar  / Instagram Bem Guardar

Convidamos para acompanhar nossas reflexões em nossas demais mídias sociais, clicando sobre o link Liderança Educativa.